A COPA DO MUNDO DOS MEUS DEDINHOS
Existem pessoas que conversam com
os botões, outras consultam o travesseiro, algumas confabulam com os dedos.
Pertenço ao bando dos dedos. Pouca gente sabe, mas botei até nome nos cinco assistentes.
Bião e Mião, por exemplo, conhecidíssimos de Adauto e Janice, são os
paus-mandados que agora estão tocando as teclas do notebook. Cerão, Becão e
Chatão completam a confraria. De nascença, Cerão chama-se Mindinho; Becão, Seu
Vizinho; Bião, Maior de Todos; Mião, Fura Bolo; Chatão, Cata Piolho. Na maternidade
do povão, diga-se, já que o batismo anatômico lhes deu registros diferentes.
Pois bem, estávamos de saída para
uma oficina literária. Dado o ambiente da oficina, pedi-lhes que se trajassem convenientemente.
Todos apostos, esperávamos o Mindinho. Nisso, Mindinho aparece socado num macacão
sujo de óleo. Fato é que o Mindinho é meio mouco, daí não ter mentalizado a
locução correta quando lhe falei “oficina literária”.
Meus auxiliares são cheios de cacoetes,
digamos assim. A mania do Mindinho, o Cerão, é coçar o ouvido. Já Seu Vizinho,
o Becão, é formal ao extremo. Vive de beca e tem o costume de usar discreta
argola a fim de exibir seus compromissos com alguém. Maior de Todos, o Bião, é
o safado da turma. Cultiva a insanidade de se estirar, num gesto obsceno, segundo
sensíveis pessoas. Além de inquieto. O bicho não para, gente. Adora mexer, coçar.
Diverte-se gozando com a cara dos outros. Fura Bolo, o Mião, passa o tempo
estudando Direito. Vive apontando os deslizes dos colegas. Cata piolho, o Chatão,
tem uma preguiça que nossa! O vocabulário dele resume-se a ok e não ok. Deram-lhe
o apelido de Chatão por causa da cabeça chata.
Afinal, saímos para a oficina. A palestrante
deu várias dicas de construção literária, sobretudo da organização escritural,
mas se omitiu acerca do principal: o pontapé de tudo, o início da criação, o
pensar da história. Por isso o Bião perguntou: “A senhora pode dar uma dica de
como criar uma prosa, bolar a ideia, aguçar a imaginação? Por exemplo, quero escrever
um texto erótico. Posso até pensar na senhora, mas aí...”
A plateia caiu na risada. A
escritora sorriu amarelo, ensaiou uma resposta, mas não disse nada com nada. Aplaudi
a intervenção do Bião. Principalmente a indagação de como enraivecer a
imaginação. Aprender a mentir, ter uma ideia e dela desenvolver algo ficcionalmente
aceitável é o meu sonho. Por isso estava ali. Mas cadê? Minha imaginação é um
zero à esquerda, vive dormindo, tranquila, nada a enraivece. A réplica da moça
nem de longe a aborreceu.
Bom, para não aborrecê-los mais,
direi agora como terminou a oficina. Sucedeu que a professora aproveitou o
clima de Copa do Mundo no Brasil e pediu que cada aluno escrevesse um
microconto a respeito do evento. Microconto, sabem vocês, é dizer muito com
poucas palavras. É a vitória das entrelinhas. Representa precioso exercício
para o intelecto do leitor, visto ser dele a responsabilidade pelo
preenchimento das lacunas contextuais. “Copa do Mundo, gente. No máximo
quarenta caracteres. Os senhores terão meia hora, ok?”
Escrevemos, sim. O primeiro a ser
lido foi o do Cerão, o Mindinho. Mouquinho da silva, o danado trocou Copa por
cópula e escreveu:
“Cópula no Brasil? Sei não,
mas...”
O formal Becão, Seu Vizinho,
saiu-se com esta:
“Tudo bem. E outros compromissos?”
O depravado Bião, o Maior de
Todos, nada escreveu. Preferiu desenhar. Fez uma caricatura em que se encontra em
posição de sentido, mas apoiado nos irmãos Seu Vizinho e Fura Bolo. Sensacional
o gesto do desavergonhado.
O certinho Mião, o Fura Bolo, redigiu:
“Há muitos furos nos meus apontamentos”.
O monossilábico Chatão, o Cata Piolho, passou dos limites e escreveu:
“Meu ok para os incontáveis não
ok”.
E eu? Sai-me assim:
Não escrevi nada, pessoal. Não já
lhes disse que a minha imaginação é zero? Mas, para não dizerem que não tomo
partido, direi o seguinte:
Relaxemos e gozemos. Dá-lhe, Seleção!
Maio/14
TC