AS MOCHILAS DA CLAUDETE
A raivosa
mulher não deixou o sorridente homem entrar. O papo e a entrega da mochila se
deram no portão da casa dela:
Tome!
Cansei, disse a cara por acolá. Por acolá e por acolá, pois nem sequer olhou
pra cara do homem.
O homem,
o agora cara de amélia, não entendeu nada, já que, quatro horas atrás, estavam
numa boa. Até namorar namoraram. Então a Claudete o chamou com urgência,
urgentíssima. Mas, como bom cabrito, o cara de amélia não berrou. Mas riu,
apesar dos pesares, ao ver uma garrafa de cerveja quente na mochila:
Que é
isso, perguntou, olhando mais detidamente pra dentro da sacola. Minha Nossa
Senhora, Clau. Exijo uma explicação. Olhe pra mim!
Não
posso. Cansei de ser a outra, seu fuleiro, respondeu ela, abrindo a mochila
mental de certos termos.
Taí
sua bola de futebol, seu giz de sinuca, sua garrafa de cerveja, seu bloquinho
de anotações e seus amigos bonequinhos. Não são com essas coisas que você se
justifica com a mulher quando chega tarde em casa? Tava comigo mas diz que tava
tomando uma cervejinha com os amigos, tava jogando sinuca, numa reunião e por
aí vai. Não é assim? Afe! Ninguém merece!
Apesar
dos pesares, a risada do infeliz dobrou. Dobrou e ele dobrou a cobrança. Que a Claudete
tinha pouca instrução, era meio avoada, tinha parafusos a menos, ele sabia
muito bem. Mas a danadinha se tornara a mulher da vida dele. Só que Kallil queria
discrição enquanto não se separasse formalmente da mulher. Por isso, verdade seja
dita, dava realmente aquelas desculpas para a esposa. Mas sempre conversava
sobre esse assunto com a Claudete. Não devia, pois, ser essa a causa da fúria
dela.
Olhe
pra mim, Clau. O que está acontecendo?
A
cara por acolá:
Nojento!
Nunca imaginei tal coisa de tu, peste. Anda, anda, anda...
Anda
o que, mulher de Nossa Senhora?
Anda.
Anda, anda saindo, entendeu?
Puta
que pariu, esbravejou o desorientado, espatifando a paciência e tentando
levantar o queixo da cara por acolá. Não conseguiu. Claudete emburrou, botou os
olhos pro chão e levantou a voz:
Anda
saindo com homem. Tu é fresco, Kallil. Pronto, falei! Eca!
Quê!?
Que conversa é uma Clau, disse o abobalhado Kallil. De onde...
Escuta
só, seu viado. Fui chegando aqui, o Cláudio e o Bruno tavam conversando e rindo
aqui pertinho do portão. Pararam a conversa quando me viram, mas fizeram um
risinho de sacanagem. Entrei, cabritei e fiquei de mutuca tentando escutar a
conversa. Não escutei bem por causa do barulho dos carros, mas o que ouvi me
deixou horrorizada. O Cláudio dizia que tu não tinha preconceito e que tinha te
pegado. Peguei o Kallil, falava ele na maior galhofa. Até de galinha o Cláudio
te chamou. O Bruno falou alguma coisa, então o Cláudio afirmou que tu tinha
dado e continuava dando. Deu o assento prum cabra de motocicleta, assim
entendi. Depois...
Aí o
sufoco deu os braços ao pobre do Kallil: a risadeira queria sair, mas a libidinosa
confusão metal da Claudete não deixava. Começou a gaguejar e a bater nos ombros
dela. Ela achou aquilo estranho, subiu a cara e aperreou-se ao ver o semblante do
Kallil. Rosto vermelhão, cara de riso, mas não conseguia rir. Pior é que o
patético não apresentava nenhum sintoma de quem tinha culpa no cartório, por
assim, dizer. Vai infartar, pensou a Claudete. Pensou, mandou o pobre do Kallil
entrar, deu-lhe um copo d’água e começou a chorar, arrependida de tudo.
Kallil
tomava água quando o riso “esborrotou”, salpicando na cara da Claudete, nessas
alturas longe de estar com a cara por acolá. Como o riso é contagiante, em
poucos segundos estava o casal na mais ridícula e hilariante risadeira. Recuperado,
por fim, o Kallil falou:
Fez
confusão, amor. As palavras que você ouviu estavam num contexto de uma piada
que o Cláudio me contou e que, certamente, acabava de contar ao Bruno. Piadinha
sem graça, se quer saber. Caí na pegadinha, por isso o Cláudio disse que me
pegou. Vou lhe contar como tudo aconteceu. Foi assim:
- Ei,
Kallil, tu não tá a fim de comprar uma motocicleta? Tem uma ali que dá certinha
pra tu. Se tu não tiver preconceito... É uma galinha morta, bicho.
- É? Preconceito
de quê?
- Porque
o dono é gay. Então o assento pode...
-
Besteira, Cláudio. Tás doido, é? Como é o negócio?
- É o
seguinte. Tu fica com a motocicleta, dá o que o gay deu e fica dando o que ele...
-
Vôtes. Tô fora!
Foi
isso, Clau.
E foi?
Nossa! Então me dê essa mochila pra cá.
Foi
assim, sim.
Junho/15
TC
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