O TROCO DE ÓCIO
Oi,
pessoal,
Tá completando
um mês que a gente não se fala. É que eu andava ocupadíssimo com certa tarefa:
plantar um pé de ócio. Verdadeira odisseia, gente. Começou por encontrar a muda.
Não que não exista aqui em Natal. Existe aos montões. Só que os donos escondem.
Então consultei o Dr. Gugo. Onde encontrar um pé de ócio:
“Planta
da família das sonoláceas, de clima tropical, facilmente encontrável em jardins
e praças de regiões com baixa umidade e secura”. Dadas as características, peguei
uma sacolinha de pano e viajei para o Planalto Central. A ideia era me hospedar
na casa de meu irmão, em Santo Antônio do Descoberto- Go, e no dia seguinte
colher uma muda da plantinha.
Pois
bem, desembarco em Brasília, apanho um táxi e... Gente, passávamos defronte de
uma praça enorme, quando vejo um jardim cheio de ócio. Pedi que o taxista retornasse,
apeei-me, olhei ao lado e pimba. Entrei no jardim, peguei logo quatro mudas,
botei-as na sacolinha e mandei o motorista voltar para o aeroporto. O cara caiu
na risada:
- O
senhor é maluco. Sorte que o segurança estava cochilando. Do contrário, estaria
agora no xilindró. Pra que quer isso, homem de Deus?
-
Que prédio é aquele, amigo?
-
Que prédio é aquele? É a Casa Revisora, homem! E o senhor não ia pra Santo
Antônio?
Pra encurtar
a história, seis horas da manhã e eu já estava em casa perguntando ao Dr. Gugo
como plantar um pé de ócio.
“Pegue
um saquinho de pano, bote dois palmos de estrume de preguiça, prenda neles a
raiz da muda, ponha mais dois palmos do estrume e enterre o saco num buraquinho.
Deixe no saco um espacinho para pôr água. Em quatro dias o pé de ócio deve
estar florando. Passe cinco dias colocando água. Sempre à tardinha. Não estranhe
se ainda tiver água, pois o estrume de preguiça é muito vagaroso na bebida d’água”.
Liguei para um conhecido, comprei o estrume,
plantei o pé de ócio no jardim, tomei café e fui tirar um cochilo. Acordei e dei
uma olhadela no ócio. Pois não é que a água tinha sumido! Caramba! O Gugo não
disse que estrume de preguiça demora a beber água? Botei mais água e voltei pra
rede. Acordei com uma cantoria no jardim. Eram dois bem-te-vis se esbaldando na
água do ócio. Pior. Deixaram o saco todo tordo. Tornei a pôr água, ajeitei o
saco e me deitei.
Depois
disso só botei água que passarinho não bebe. Agora o ócio está florindo que é
uma beleza. A partir de amanhã minha vida será colecionar anos e cultivar ócio.
Tenho três pés ociosos. Se alguém aí quiser...
Foi o
pezinho de ócio, gente, o culpado de eu não ter escrito mais nada. Não consigo ficcionar
naquelas condições. A concentração vai a zero. Até tentei, mas não fui além de
dois rascunhos de prosas. Fico pensando como cronistas de jornais conseguiam
escrever todos os dias. Machado, Campos, Sabino, Drummond, por exemplo,
escreviam direto. Tiravam dez em concentração.
A propósito,
e como desintoxicante de minha xaropada, vou dar um copiar colar num texto de
Humberto de Campos. O texto é de mil novecentos e quebradinhos. A linguagem é
uma delícia. Manjem só.
Fiquem
com o troco.
Julho/15
TC
O
TROCO
(Humberto
de Campos)
O
Joaquim P'reira acabava de chegar da "terra" com o seu chapelão de
abas largas e seu sólido jaquetão de veludo, quando "sô" Manoel
Guimarães, proprietário da Padaria "Flor de Braga", o convidou para
caixeiro.
- O
essencial - avisou, entretanto, "sô" Manoel, - é que sejas honesto. O
outro rapaz que eu cá tinha, pu-lo eu ontem na rua por m'haver deitado fora
dois mil réis que dele não eram. Toma tu juízo, que, cá, comigo, prosp'rarás.
O Joaquim prometeu não
bulir, jamais, em dinheiro da casa, e, dois dias depois, era admitido, com
todos os sacramentos da rosca e da farinha de trigo, como caixeiro da
"Flor de Braga". E estava já há uma semana no emprego, quando
"sô" Manoel o chamou:
-
"Sô" P'reira?
- Cá
'stou! - acudiu o Joaquim.
- Vá
à casa do Almeida, no principio da rua, e receba esta conta de vinte mil réis.
E
recomendou, prudente:
-
Cuidado com o dinheiro!
O
Joaquim pegou na conta, foi à casa indicada, recebeu uma cédula de vinte mil
réis, e vinha, reto, no rumo da padaria, quando se encontrou com um
conterrâneo, o Zé Moreira, a quem não tinha visto desde a chegada. Trocados os
primeiros abraços, o Moreira convidou:
-
Vamos solenizar o encontro! Arre, lá! Vamos cá à cervejaria!
Aceito o convite, foram
os dois, beberam duas garrafas, trocaram notícias e saudades, e ia o Joaquim
despedir-se, quando o Zé reclamou:
- E
quem paga isso?
-
Tu; ora essa!
-
Mas eu cá não tenho um vintém; e se não pagares tu, iremos os dois bater à
cadeia, o que é pior!
Amedrontado
e arrependido, o Joaquim arrancou do bolso a cédula de vinte, pagou os mil e
seiscentos da cerveja, recebeu dezoito mil e quatrocentos de troco, e ia
pensando no meio de justificar-se perante "sô" Manoel, quando teve
uma idéia, que pôs em pratica. Entrou na padaria pela porta lateral e, chamando
o "Leão", um canzarrão que tomava conta da casa, pôs-se a brincar com
ele, aos pulos, até que, de repente, soltou um grito.
-
Que é isso lá? - trovejou "sô" Manoel, acorrendo.
Com
os olhos em lágrimas, o P'reira contou o desastre:
-
Foi uma desgraça, patrão! Imagine o senhôre, que eu vinha cá com o dinheiro na
mão, uma cédula de vinte mil réis, e o cachorro avançou-me neles, e engoliu-os!
"Sô"
Manoel franziu a testa, calculou o prejuízo, e, de um salto, estava diante do "Leão",
empunhando uma garrafa de óleo de rícino. Auxiliado pelo Joaquim, abriu a boca
ao animal, e, depois de purgá-lo, recomendou ao rapaz:
-
Agora, fica-te cá, junto do bicho, à espera do dinheiro. Logo que ele o deite,
segura-o. Meia hora depois estava "sô" Manoel de volta, a saber notícias
do purgante:
- Já
deitou o dinheiro? indagou do empregado.
O
Joaquim, que esperava, ansioso, por esse momento, abriu a mão, e mostrou,
desafogado:
-
Todo, todo, não senhôre; até agora só deitou 18$400!
E
entregou o troco da cerveja.
Acabou,
meu. Botei o leia mais só pra você entrar na estatística do blogue.
Quê?
Tá pensando em me dar o troco, é?
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